quando lembrei que não lembrava mais, entrei em pânico. quando ouvi aqueles primeiros cinco ou seis segundos daquela música, me lembrei de uma sensação esquecida. não de rostos e sabores, nem de detalhes e de vozes, porque o efêmero foi feito para ser esquecido mesmo... mas eu entrei em pânico porque não lembrava mais daquelas palavras ditas numa madrugada de setembro, ou do medo e do amor e da cumplicidade... simplesmente todos aqueles rostos haviam escapado da minha memória e se transformado em alguns segundos de uma música. foi ai que eu entendi que não havia tido um surto de amnésia, mas sim um crescimento interno, um novo olhar, a lucidez de um certo distanciamento. permiti a mim mesma compreender aspectos meus e alheios antes obscuros. entendi perfeitamente que de "esquecimento" o nome passou para "amadurecimento". todo mundo sabe que às vezes a gente precisa se desfazer de algumas coisas. eu me desfiz de lembranças, de uma infantilidade que já nem era propriamente infantilidade... agora aquela sensação boa e segura de ter tudo sob controle tá presa à um solinho de guitarra... graças a deus, eu digo, porque faz bem deixar o passado virar passado, não faz? faz bem limpar armário, trocar as fotos do mural, tirar as folhas velhas de dentro dos cadernos. amadureci e é legal ver as coisas que eu fiz do jeito errado com olhos de vovó sábia. amadureci e não escrevo isso como se fosse uma autoafirmação. escrevo porque eu me perdoei por ter esquecido, ou melhor, amadurecido. promoveu-se uma espécie de anistia. gosto de usar essa palavra. é melhor que perdão, porque não tem nada a ver com deus e nem dá a idéia de que somos bonzinhos perdoando alguém.
nem a nós mesmos.