com o ballet, aprendi a encontrar meu eixo entre dois dedos do pé e o queixo levantado. aprendi a fazer mão delicada mesmo depois de quinze minutos de sustentação de uma perna aberta em 90 graus. aprendi a apertar a bunda e a barriga juntamente com os cotovelos arredondados e o joelho aberto. entendi o significado de fazer parecer fácil, de fazer parecer que se é uma pluma, de fazer parecer que os tendões não doem, que o pé não dói, que nada dói. aprendi a encarar uma platéia depois de cair no chão, sorrindo, e de como um piano soa. aprendi a girar olhando um ponto fixo, a atravessar a sala com um pulo e até a levantar do chão sem usar as mãos. entendi que delicadeza não é sinônimo de fraqueza ou de fragilidade, mas que toda bailarina sabe usar a força nos lugares certos e não fazer isso transparecer. não é uma coisa que se aprende fácil, talvez nem eu tenha aprendido ainda, mas é que o ballet se torna OVERRATED, quando na verdade é mal interpretado. muita gente experimenta a sensação libertadora de fazer duas semanas de aula e logo de cara acha que é a isso que a dança se resume: copiar direito ao da professora. nada de contrações. cãibras. sange. bolhas. suor. e acaba achando que o ballet não precisa de esforço nem de bolsas de água quente nem de gelol - e leva tempo pra se enteder essa essência. bailarina não tem o direito de dizer um ai, não tem o direito de dizer que não consegue, não tem o direito de deitar no soalho e pedir pra ir tomar água: é pior que escoteiro, só que sem os insetos! e a terra e os nós e os lobos e os cumprimentos, claro... e não posso dizer que entendo e que sei tudo - não posso criticar aquilo que não entendo. se você quiser chamar ballet de arte, terá que considerar todas as minhas dúvidas (que não são muitas, mas são suficientemente grandes pra me fazer pensar). afinal, arte pode ser tanto plágio quanto revolução... e todo mundo vê arte naquilo que cria, naquilo que se move, naquilo que diz o que o artista quer dizer sem necessariamente ter que ser por palavras. e, no final de tudo, com o ballet comecei a desacreditar na perfeição. irônico né? ela não existe, simplesmente. e lidamos com isso toda vez que olhamos para o espelho: ou pernas curtas demais, pés que não obedecem, as gordurinhas marcando no collant, a bunda de brasileira atrapalhando. não pertencemos à elite da dança que coloca os escrúpulos dentro das sapatilhas de 300 libras esterlinas e que passam tanta fome que o plié as faz desabar no chão. isso cruza a linha tênue que divide a dança clássica e o exagero - e que nos faz sofrer tanto para justamente não cruzá-la. é esse o desafio: o belo de uma quarta posição de braços pode facilmente se tornar no exagerado de uma contorção de dança flamenca. o gracioso de uma cabeça que vira para o lado contrário das pernas em tandue alternado para trás pode num piscar de olhos virar o exagerado de uma coreografia de auxiliar de mágico. e até a beleza assustadora de pernas com um metro de cinquenta de comprimento abertas a 195 graus torna-se o exagerado de uma contorcionista do cirque du soleil. é preciso saber medir. é preciso saber calcular distâncias. é preciso decorar nomes em francês. é preciso saber fazer contagens. é preciso o mínimo de noção espacial. é preciso fazer os acordes da música parecerem sair dos seus próprimo movimentos: sentindo aquilo atravessar o seu corpo como aqueles arrepios dos anjos que passam correndo. sentindo simplesmente - é isso que o dançarino faz. sente.
almost nobody dances sober, unless they happen to be insane. – h. p. lovecraft