segunda-feira, 31 de março de 2008

roda viva, c. b.


tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu. a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá. roda mundo, roda-gigante, roda-moinho, roda pião, o tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração. a gente vai contra a corrente, até não poder resistir. na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir. faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá. a roda da saia, a mulata não quer mais rodar, não senhor. não posso fazer serenata, a roda de samba acabou. a gente toma a iniciativa, viola na rua, a cantar, mas eis que chega a roda-viva e carrega a viola pra lá. roda mundo, roda-gigante, roda-moinho, roda pião, o tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração.

domingo, 30 de março de 2008

bonjour tristesse


hoje faz um ano e seis meses.
e durante esse ano e esses seis meses, a mesa virou.
virou tanto que ninguém mais se reconhece.
um ano e seis meses de mudanças, separações, voltas, desencontros, repaginamentos.
em um ano e seis meses, mudamos nossos cabelos. furamos o nariz e as orelhas. nos declaramos desconhecidos, mas choramos no meio de uma festa. nunca mais nos cumprimentamos na rua, mas agora sentamos um do lado do outro.
um ano e seis meses: tempo suficiente pra morrer por dentro e renascer mais feliz do que nunca.
photo: angra dos reis, rio de janeiro - praia freguesia de santana

quinta-feira, 27 de março de 2008

lolita pille

a felicidade é uma ilusão de ótica, dois espelhos que refletem entre si a mesma imagem ao infinito. nem tente buscar a imagem original, não existe nenhuma. nao diga que a felicidade é efêmera. o sentimento que se sente e é tomado como felicidade quando se está apaixonado, quando se teve sucesso em alguma coisa, é uma liberdade condicional antes de conhecer a pena: o ser amado não se parece com nada, o que você conseguiu não serve para nada. isso não a faz infeliz, mas consciente. a felicidade não acaba, ela apenas se retifica. nós inventamos a luz para negar a escuridão. colocamos as estrelas no céu, plantamos postes a cada dois metros nas ruas. e lâmpadas dentro de nossas cassas. apague as estrelas e contemple o céu. o que você vê? nada. você está diante do infinito que o seu espírito limitado é incapaz de conceber, de forma que você nada mais enxerga. e isso o angustia. é angustiante estar diante do infinito. fique calmo; os seus olhos sempre encontrarão estrelas obstruindo a trajetória deles e não irão mais longe. de forma que o vazio dissimulado por elas será ignorado por você. apague a luz e arregale os olhos ao máximo.
você nada verá.

domingo, 23 de março de 2008

alarme falso


vai passar,tu sabes que vai passar. talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada impulso vital. esse impulso, às vezes cruel, não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, e te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como "estou contente outra vez".

sexta-feira, 7 de março de 2008

tento

tento não sentir medo ao pensar que meu tempo aqui ainda é pouco, tento não me envergonhar do que sinto, tento não sorrir e esfregar os olhos no meio da noite ao me descobrir deliciosamente arrependida. tento não usar tantas vírgulas. nem muitos pontos, nem repetir todas as frases como fernando sabino fazia com destreza. tento não encarar as pessoas nos olhos como eu adorava fazer até pouco tempo - pra depois ver a reação delas ao me perceberem: apoiada nas mãos, as esquinas da boca caidas, fazendo força pra parecer com alguma personagem diabólica e hipnotizante. tento não chorar; ao ouvir uma música de meia dúzia de notas no violão, ao ler aquele trecho de "O Passado", que fala sobre tomar banho com o sol na cara, encontrar bilhetinhos nos bolsos dos casacos de inverno e sobre se sentir só. tento não esperar nada de nada nem de ninguém - ficar absolutamente sozinha numa altura tal onde ninguém jamais conseguiria me alcançar. tento manter a compostura, quase sempre. me vigio 24h por dia pois tudo deve ser recebido com um sorriso e um brinde: eu, inteiramente serena vigilante comportada desapegada inovadora. tento não sentir saudades, "oh Deus, que doce inferno esse de lembrar o bom de antes quando nem sabíamos que acharíamos bom um dia. e seria? cuidado, o Tempo mascara o duro.", e tento com todas as minhas forças sorrir ao encontrar algum amigo que já partiu pra outra e hoje já não é a mesma pessoa, ou talvez ao rever uma foto de rostos colados, felizes, de uma noite de verão passada entre besouros e discussões sobre gostos musicais. tento não suspirar longamente toda vez que chego em porto alegre: minha cidade preferida de todos os tempos, que tem tanta coisa pra ser descoberta e chamada de "sua", como os jogos americanos do brique que a minha mãe comprou num domingo de tarde, ou até as frases pichadas nos muros que eu fico louca de curiosidade toda vez que as leio. e o paralelo trinta? e os barracões do guaíba, os guindastes e o cine apolo onde sempre imaginei a Nazaré (da novela) chingando as prostitutas e ajeitando o sutiã? tento não sentir saudades de lá. tento não deitar a cabeça no teclado e absorver a voz de elis regina berrando "poriiiiiiiiisso cuidado meu bem..." e tentar imaginar meu pai de adidas nos pés e camisa sintética vermelho-bordô temendo os polícia que vieram em nome do AI-5. tento não chorar em fim de livro, como eu fiz no dia 31 de dezembro depois de reler a sombra do vento e me sentir morando em cada linha. um aperto no peito porque daniel sempere era um personagem - não uma pessoa. tento não me apaixonar por personagens, falando nisso. nem ter heróis, porque no fim, você sempre acaba descobrindo que eles são tão losers quanto você: piaf deu uma garfada na jugular do marido. virginia woolf afogou a si mesma. marilyn tinha medo de envelhecer e deu sua vida pra não ver isso acontecer. e bem, harry potter é um inglesinho com dentes podres, carl barât um junkie desgraçado que não dá valor pra sua capacidade de composição musical e jude law tem o triplo da minha idade. nada de personagens, nada de ídolos, nada de paixonites exageradas: tento não perder tempo. admiro caio fernando abreu - pelas vísceras depositadas nos textos. admiro ian curtis porque, well, "love will tear us apart". admiro alex turner porque ele é um gato. admiro os brothers do oasis, liam e noel, porque... bom, porque eles são eles. admiro um punhado de gente, mas não deixo isso se confundir. pra completar, tento ser forte e não desistir dessa nova fase. fase que começou comigo enlouquecendo de tanto medo, depois passou pra uma estabilidade falsa, depois mudou drasticamente para alguma coisa pré-nirvana, alucinógena, fresca, assim, surreal. sur-re-al, pronunciado com um sorriso na boca e as mãos abertas. tento não entristecer perto do mundo que decai, dos dramaturgos que ficam cada ano piores, dos jovens que se deixam emprestar por pura falta do que fazer, e, principalmente, perto da minha insignificância. tento não inventar histórinhas pra mim mesma o tempo todo e me transformar magicamente numa daquelas divasdivinas trajando valentino e fazendo como naquela última cena de casablanca, no aeroporto. não sei, acho que se pudesse me colocar numa história perfeita, me escreveria melancólica: "é outono, vaga pelas ruas...", alguma coisa assim, ou paranóica e descreveria os devaneios com letras maiúsculas negritadas. tento não transformar tudo em roteiro de filme... câmera na minha mão, imagem amarelada, nada de trilha sonora: só o barulho real dos passarinhos do lado de fora, ou os talheres batendo no prato, ou sei lá. e pra completar minha série de "tentos", termino com um não menos importante - ou freqüente.
tento abraçar minha loucura antes que seja tarde demais.
e no dia seguinte, acordar, escovar os dentes, tomar um café e continuar tentando.

domingo, 2 de março de 2008

domingo

hoje eu acordei às dez horas e me senti feliz não só porque meu cabelo tava surpreendentemente bonito, mas porque era um dia frio. e chuvoso. e feito pra ficar tristinha e me arrastar pelos cantos da casa observando como os livros e objetos estavam dispostos por ela. hoje acordei cedo e desejando que não fosse domingo pra não ter que pensar que amanhã tem aula, desejei receber alguma coisa pelo correio, pra poder ler enquanto tomava café. acordei imaginando como seria acordar daqui a três - ou perhaps quatro - anos, numa cidade diferente, numa cama diferente, numa vida diferente. acordei cedo não porque o despertador tocou, mas o sono foi esvaindo que nem um fiozinho; quando eu vi, eu tava de olhos abertos, olhando pros buraquinhos da persiana das janelas que vão de uma parede até a outra e desejando mais algumas cobertas e talvez um braço ao meu redor. fiquei feliz por alguns minutos porque tava passando popeye, o desenho mais infância de todos os desenhos da face da terra, e eu me lembrei de uma música que era alguma coisa com "olivia não quer casar, brutus quer ser papai, tantantantan...". e além disso, meus pés e as minhas mãos estavam gelados, como naqueles dias lindos e horrivelmente frios de inverno, e dentro de mim eu ninava um sentimento de conforto e saudosismo; como diria tati bernardi, um petit gateau humano. acordei querendo um blog mais bonito, e um curso de verão em paris pra aprender a desenhar e a costurar e, pra completar, uma máquina do tempo pra me transportar pelo início desse ano e o fim de janeiro. acordei e fui comer nutella e capuccino no copo de plástico térmico pra não esfriar, com a minha calça do mickey que eu amo tanto e depois ensinei meu irmão sobre o nirvana e como o kurt foi uma pessoa importante pra história pop. ele pareceu mais interessado no programa do discovery que falava sobre bombas atômicas, mas eu sei que dentro dele tem essa coisa que os rockers tem, uma vontade de balançar a cabeleira e de ter orgasmos alucinantes com os riffs dos beatles... ele me olhou com os mesmos olhos que eu tenho - pequeninhos, quase invisiveis pela manhã - e disse que eu era a pessoa que mais sabia sobre coisas no mundo inteiro: porque eu sabia sobre segunda guerra mundial, sobre ballet e sobre nirvana. porque eu ensinei ele o truque dos dedos da tabuada do nove e expliquei umas coisas sobre física e mandei ele escutar the strokes porque isso sim era música de verdade. meu irmão é um fofo, detrás dos dentes separados e da angústia que as crianças levam dentro de si, porque querem ver tanto que os olhos não suportam. hoje, um domingo de chuva sol e vento, eu, laura, acordei feliz e relativamente satisfeita com as coisas que me cercavam. achei os furinhos da persiana do quarto bonitos, o meu cabelo bonito, o pó do capuccino de desmanchando no leite bonito, a ingenuidade do meu irmão bonita, o meu receio bonito, minhas calças do mickey bonitas... acordei cedo e completa, suspirando, querendo ouvir uma banda nova (logo depois fiz a descoberta musical da minha vida: arcade fire, minha gente, gravem esse nome.), e sentindo saudades dos meus pais que estavam viajando e odiando uma única coisa: o fato de ter que ir para o sítio do meu vô comer carne de vaca pingando sange no prato e passar frio naquela casa sem paredes. fui e nem os mosquitos, nem a vista triste do lago e da ponte, nem a pereira em que eu passei uma parte consideravel da minha infância, conseguiram estragar meu humor. não era bom humor, mas também não era mau; era confortável. porque eu acordei cedo num domingo nublado e fiquei feliz com as mãos e pés gelados e com os olhos pequenos do meu irmão igualmente pequeno. passei o resto do dia me deliciando com coisas pequenas e bombons de licor melecados que até acredito que a segunda feira vá ser um dia bom como foi esse domingo.