segunda-feira, 25 de maio de 2009

Se o amanhã não vier

Porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicídio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome,a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada.

* Lindo, lindo lindo. (Caio Fernando Abreu, num livrinho empoeirado da biblioteca da faculdade de letras; Requiem Para Um Rapaz Triste - A Peça).

sábado, 16 de maio de 2009

Só um sonho e um braço tatuado

Um post de sexta a noite, depois de uns copos entornados e umas portas batidas. Voltei pra casa com a certeza de que não cumpri minha missão, e a impressão de que todos os meus assuntos acabam convergindo para o mesmo tema. Como se, no final das contas, eu sempre quisesse falar a mesma coisa por meios diferentes. Esgotar todos os modos de explorar uma única idéia que eu nem faço idéia do que seja, mas sempre sinto da mesma maneira - mesmo quando as palavras insistem em mudar de posição ou nome.Algo grande o suficiente para assumir diversas formas e gostos e acabar sempre no mesmo lugar... mesmo que a palavra não seja lugar.
O importante é que eu não sinto meus dedos, talvez do frio, talvez do pesadelo meio sonho que eu tive noite passada, em que a minha cama ficava pequena demais pra mim dormir bem.. eu fiquei perturbada, levantei, tomei água, revisitei as imagens no meu cérebro. Substituiram a visão dos Gallagher brothers entoando um hino psicodélico dos anos 90 na minha frente, agora era um braço com uma tatuagem que eu não consigo arrancar do dono o significado, outro braço fino e branco se enroscando; Deus na sua presença mais abominável. Sonhei que discava um número, abria a porta de um carro que ainda nem é meu, Miss You Now tocava no rádio, cabelos eram puxados, assim como limites.
Era uma rua de porto alegre perto da igreja das dores e da sua escadaria, onde os militares de bonezinho circulam, assim como "just two lost souls swimming in a fish bowl...", a gente, denunciando com os fogos de artíficio debaixo das camisetas que viver, acima de tudo, é um ato perigoso.
Foi um sonho, né? Eu me revirava na cama. Pequena demais. Vazia demais. ("Adoro o inverno, mas entro no chuveiro e ligo a água quente no máximo. O sangue que ferve. Faz a gente sentir muito calor).
Não há de se entender nada, não há de se explicar bulhufas, é só pra mim me sentir mais aliviada por descrever o tal sonho. E o Tal. Foi o jeito quase-bonito, tenho certeza. A covinha. A tatuagem, eu sei que foi.
Destino é um cara mais trapaceiro que o tempo, e por isso, há alguns dias, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade. Ou disso que chamamos com descuido e alguma pressa, de arrepio..
todo mundo sabe a que me refiro.

(Rua Dos Andradas)