sábado, 9 de fevereiro de 2008

hoje pensei sério: se me perguntassem o que mais desejo na vida, não saberia responder. quero tudo. mas esse "tudo" é tão grande, tão vago, que me sinto estonteada. é preciso ir limitando meu sonho, apagando as linhas supérfluas, corrigindo as arestas, até restar somente o centro, o âmago, a essência. mas qual será esse centro, meu deus, que não encontro?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

r.i.p.

faz quase uma década que o meu avô morreu.
de câncer.
ele era uma das pessoas mais fodas que a cidadezinha em que ele morava - e eu - conheceu: piloto de avião, professor de direito na universidade, advogado, viajante nas horas vagas, e ainda trabalhava no banco do brasil como se houvesse algum espaço na sua vida.
ele lia proust e tinha um tapete felpudo de pele que fedia à guardado. tinha uma hortinha nos fundos da casa, um porão recheado de lenha e de aranhas, três filhas adultas e três netos. uma casa de madeira na encosta do rio, que hoje é uma plantação de bananeiras na beira do asfalto, mas nunca deixou de ser a "casa do rio das antas". o concreto úmido e cheiro de musgo sob os pés, a descida do barranco e a toca do tatu. as pedras do rio. a correnteza. a ponte branca e suspensa se erguendo lá no fundo, os dois arcos gigantescos se curvando junto com o horizonte. eu e meu irmão grudando a bochecha na janela do banco de trás pra conseguir enxergar o fim daquela imensidão, se levantando sobre o carro.
e as cartas? escritas à mão num cartão postal barato e enviadas pelo correio dos navios europeus. "saudades, minhas filhas", ele escrevia com a caligrafia borrada, que mais parecia hemograma cardiológico! os torrones argentinos, os invernos passados na minha casa da rua são paulo, fogo aceso na lareira e o abajur antigo no canto da sala - que sempre me lembra dele. eu e minha prima dançando na sala, com os móveis afastados e o meu primo ainda bebê de colo. o vento balançando as portas da sacada e um pirulito pra cada uma das netas.
e não é nada além disso. minha memória deu um pause. um stop, na verdade. e não se passa um dia da minha vida que eu não olhe pra minha mãe e pense que ela já não tem mais pai. e que ela passou por cima disso e hoje faz festa, dança macarena, usa roupas étnicas e se recusa a usar aparelho dental "pra não parecer muito jovem, porque quarentona de dente muito perfeito é suspeito!".
porque perda de saúde se concerta com remédio, perda de dinheiro se concerta com empréstimo e perda de elasticidade da pele se concerta com botox, mas a perda do amor levado pela morte é a perda das perdas. ela nos obriga a andar por cenários do nosso interior mais desconhecido: aprender a perder a pessoa querida é no final, aprender a ganhar a si mesmo.
passei pelo terror do velório e do enterro, com pompa e meia calça preta, e sobrevém esse mais estranho e dolorido aspecto da morte: o silêncio do morto. o rosto roxo. as mãos cruzadas em cima da barriga e o cheiro nauseante de formol, cera de vela e floricultura; tudo jogado e misturado e socado numa menina que ainda tinha dente de leite. "you can forget, but you cant heal", diria marilyn manson (!). até porque é a morte que torna a vida importante. ela não nos persegue: apenas nos espera. nós é que corremos pro colo dela. o modo como vamos chegar até lá é nossa responsabilidade decidir. e quando estamos bem pertinho dela, todos nosso sentimentos são obrigados a se curvarem: com dor, com pavor, se submetem à uma prova maior. a aceitação.
ele morreu, e isso é irremediável. nem torrones, nem cartões postais, nem pontes brancas nem tapetes felpudos podem trazer de volta. nem o choro copioso das minhas tias e da minha avó, que agora se transformou em um sentimento morno de silêncio e vazio... é irritante ver aquela clássica fala "parece que ele(a) saiu de viagem, que a qualquer minuto vai voltar pra casa, entrando pela porta da frente!" saindo da tua própria boca.
e tenho que admitir: aprendi da pior maneira possível a lidar com as perdas.
perdendo.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

tenho um amor fresco e com gosto de chuva e raios e urgências. tenho um amor que me veio pronto, assim, água que caiu de repente, nuvem que não passa. me escorrem desejos pelo rosto, pelo corpo. um amor susto. um amor raio trovão fazendo barulho. me bagunça e chove em mim todos os dias.

caio f. abreu