terça-feira, 11 de agosto de 2009

O casamento de Laura

Eu não queria que o meu casamento fosse uma grande festa. Bom, talvez algum dia eu desejei um vestido sob encomenda de renda espanhola, candelabros, gente, muita gente, e fotógrafos, e todas essas babaquices usadas pra disfarçar ou pra aparecer. A verdade é que eu queria minha família saudável, toda junta, gritando palavrões em italiano, e sendo assim, toda reunida, o que sempre chamei de casa. Queria umas velas. E a igrejinha que eu vi em Trancoso uma tarde, virada de costas pro Atlântico, umas bandeiras de santo antônio voando... Queria um vestido só meu; decote nas costas, branco, branquíssimo, branco puro de um sorriso e de um sentimento verdadeiro. Queria um flor no cabelo, pode ser um daqueles hibiscos amarelos que cobriam a calçada da casa de Búzios, mas uma flor de verdade, amarela ou vermelha, pra aparecer bem no cabelo preto. E sabe o que eu queria mais? Uma lua cheia linda linda linda sobre a grama, sobre o mar, sobre a igrejinha, sobre a gente; eu, e meu marido. Eu e meu noivo. Ele de braços abertos me recebendo num restaurante qualquer em uma cidade qualquer sob qualquer circunstância, mas me recebendo, e eu olhando pros seus olhos talvez verdes ou talvez azuis e percebendo que era com ele que eu iria casar... depois, os braços abertos me recebendo no altar, assim como me recebera em sua vida, em sua casa; minha escova de dentes cor-de-rosa na bancada do banheiro, e as calcinhas penduradas no varal. Meu marido dizendo "sim" sem saber onde a felicidade dele terminava pra começar a minha. Eu queria também ver meu irmão crescido, formado, finalmente tomando um rumo nessa vida e pondo juízo dentro da cabeça, me sorrindo do primeiro banco e parecendo exatamente a mesma pessoa do meu aniversário de 15 anos enfiado naquele smoking. Talvez ele teria aquela sombra de barba recém feita e eu suspiraria... Barba! Ele sorriria como quem conquistou algo grande, como quem ganhou cinco estrelas em Guitar Hero e como quem fez um grande acordo comercial com uma empresa têxtil. Queria minha mãe. E meu pai. Os dois saudáveis pra me ver também tomar um rumo, talvez não um rumo tradicional como o que eles tomaram, porque meus amores precisam ser todos aventureiros. Mas de qualquer forma, minha mãe talvez iria sorrir e chorar ao mesmo tempo e meu pai, bom, meu pai eu não sei, talvez não restarão mais muitos fios castanhos na cabeça dele até lá, mas eu tenho certeza que o olhar bondoso e as maçãs do rosto magras permanecerão. Queria que o padre dissesse palavras verdadeiras, "Pater noster, qui es in caelis Sanctificétur nomen tuum..." (ou algo assim) ecoando dentro da igrejinha do mesmo jeito que essas palavras ecoaram em São Bento na minha última visita ao Rio. Do mesmo jeito que eu ouvia a professora de catecismo, minha avó de cabeça baixa sobre a polenta sconta e a perdiz de domingo, ecoando, sempre ecoando o latim que eu nunca entenderia. "Livrai-nos do mal... Amém", eu talvez repetiria em voz baixa, desejando um caminho livre de outras mulheres, outros amores e distrações, livre de qualquer pecado, livre da morte do roubo da desonra. Queria que nesse momento eu tivesse a coragem de não chorar ao ver minha avó, espero que viva, que também chora, aquele choro que ela derramou em todos os casamentos das netas. Queria, depois de tudo isso, que sob o céu de Trancoso, de flor no cabelo, e aliança no dedo, eu pudesse finalmente me sentir segura, rendida, entregue à um amor. Um amor puro. Daqueles que não vêm com hora marcada, mas sim em noites como aquela, em que todo o universo parece estar a favor dos apaixonados. Desses amores que se tem certeza, independente das palavras ditas, das flores no cabelo, das rendas espanholas... livre da perfeição que só faz estragos. Um amor que é sempre amor, pela manhã, pela tarde, pela noite, no jogo do Inter e no jogo do Grêmio, na briga sobre a conta de luz, nas aventuras, nos erros, na cama, no chão da cozinha, no banco de trás do carro. O amor antítese do amor-indeciso. Eu teria certeza, completa certeza. Porque como diria Bukowski, o amor é uma espécie de preconceito; "A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece." Não seria necessário imaginar os outros amores que se perderam num átimo de segundo em que não esbarramos em alguém na saída do metrô e tornamo-nos eternamente responsável por aquilo que cativamos. Amor-com-certeza, sem a angústia de imaginar "o que ambos estaríamos perdendo?". Queria que no meu casamento não houvesse mais nada além da verdade, da segurança, da bênção. Dos olhos talvez azuis talvez verdes me recebendo, das açucenas em flor, do vento quente da Bahia, da sorte, e de talvez a promessa de uma cumplicidade sem fim...

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