quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Onde eu gostaria de estar agora

A inquietação que a falta de paz interior causa é destrutiva. Falta o sono, a vontade, a força. E quando as dores emocionais passam a ser também físicas, as coisas ficam ainda mais fora de controle: as manhãs se confundem com as tardes, e as noites são preenchidas com vagas sensações de "vai passar". Pequena frase otimista, a junção inesperada de duas palavras... vai passar, porque a vida é uma série de acontecimentos espiralados que eventualmente se reencontram, reacontecem, revivem. Vai passar, de cabeça tomabada no travesseiro a três dias consecutivos.
O "vai passar" não implica em ações drásticas, apenas em paciência. Nos vemos vagando pelo apartamento abrindo janelas e regando plantas, contando os dias para o final do ano, quando tudo se reorganiza. E eu me pego desprevinida, não conseguindo prestar atenção nas aulas, e convertendo o estresse psicológico, a culpa, a sensação de fracasso, em uma infecção violenta que me nocauteou na cama. Depois das altas doses de antibióticos, durmo um sono pesado, e acordo no calor das cobertas, os cabelos molhados de suor, depois sinto frio, e levanto no meio da noite, quando o banheiro adquire um tom de azul cobalto, e penso. Penso, penso, penso: um tipo diferente de sofrimento. Já passei por isso tantas vezes antes... como ainda não aprendi? Ainda no banheiro, acostumando os olhos à cor estranha do amanhecer e os ouvidos às revoadas de quero-queros, penso em que lugares gostaria de estar neste momento, e como isso me faria mais feliz.
Queria estar no quintal dos fundos da casa de Xangri-Lá, no litoral gaúcho, atirada na espreguiçadeira de plástico colorido, de cara virada pra um sol queimando em tons de laranja e cor-de-rosa. Lá, as peles eram mais bronzeadas, os cheiros eram mais doces, e as noites mais bem dormidas. Talvez estaria acordando cedo no apartamento da minha avó, numa cidade exportadora de vinhos da serra, com os sinos da igreja badalando... a persiana meio aberta refletindo buracos no chão, e o cheiro de cigarro, de família, de couro, de uva. Queria poder estar dentro de um avião sobrevoando Guarulhos, Passo Fundo, Navegantes, Florianópolis, qualquer lugar que seja sinônimo de partida, de check-in, e talvez de chegada, mas as partidas são mais significantes: seat belts fastened, mesa travada, suco de laranja no copinho de plástico. Gosto de partida. Talvez preferiria estar de biquíni xadrez preto-e-branco, novíssimo, taça de champanhe em uma mão e uma batata Ruffles na outra, no convés acolchoado do barco, deslizando em linha reta sobre o Altântico... E ainda me vejo sozinha no apartamento novo de Porto Alegre, o 401 sem mobília, o único de luzes apagadas do pequeno prédio da Vitor Meirelles. De incenso aceso, cama feita, TV ligada, o sentimento de casa brotando de cada rejunte dos azulejos, de cada centímetro de gesso do teto, de cada fio desencapado gritando por uma lâmpada...
E ao mesmo tempo que gostaria de estar indo embora, gostaria de estar chegando. Chegando de braços abertos e trazendo flores para mim mesma, para finalmente me encontrar. Encontrar minha essência, minhas capacidades, meus talentos, minha influência infinita sobre a órbita da sociedade. Cavar esse monte de lixo, de tralha, e ver a luz que pisca lá no fundo. O reencontro da alma e do corpo, a comunhão de dois pólos. É uma necessidade humana quase natural essa história de espiritualidade, e, tendo em vista tantos ventos fortes que me tiraram dos eixos, aparece a necessidade de equilíbrio. De foco, de concentração, de serenidade. A redenção não está, talvez, nos lugares em que nos encontramos, mas nas situações em que nos colocamos; a tristeza absurda que me deixou doente foi um fraquejo. Deixei de acreditar por um breve momento na beleza dos momentos e na efemeridade das coisas. Falta de foco. Esqueci dos meus simples princípios para uma vida plena: o desapego, o amor, a percepção. Desapego das coisas materiais, o amor às pessoas e sensações, a percepção da rapidez do tempo.
Simples. Mas tão difícil de pôr em prática depois de um grande tropeço no escuro.

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